"O Mercosul, juntamente com nossos amigos da América Latina e Caribe, não assistirá passivamente ao debate sobre a crise mundial. Teremos um papel importante a jogar na construção de uma nova arquitetura política e econômica internacional, multipolar e multilateral", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao abrir na Bahia nesta terça-feira (16) a Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul. Lula tratou como "companheiros" os 16 chefes de Estado presentes, destacando a presença do cubano Raúl Castro.
Esta foi a 36ª Cúpula do Mercosul, e será seguida, na quarta-feira, pela 1ª Cúpula da América Latina e do Caribe. O descompasso entre os números dá uma noção do passo que será dado na Bahia, quando os governantes latino-americanos se reunirão pela primeira vez sem a tutela de uma potência estrangeira.
No discurso de abertura, Lula destacou que "conjunturas de crise como esta revelam as perversões do sistema econômico dominante". Mas voltou a frisar em seguida que "elas são, também, oportunidades para grandes mudanças que requerem clareza de análise e redobrada vontade política".
"Nossa resposta coletiva deve ser dobrar a aposta em nosso Bloco, numa integração voltada para o desenvolvimento e a superação de desigualdades regionais", frisou o presidente brasileiro.
Veja a parte mais substantiva do discurso de abertura:
"Eu acho que merece um destaque especial aqui entre nós a presença do nosso amigo Raúl Castro, na sua primeira viagem ao Brasil e certamente à Bahia, que parece muito com Santiago de Cuba. É muito importante para nós, Raúl, a sua presença nesta reunião, e espero que seja a primeira de uma série de reuniões que você participará conosco.
É com grande satisfação que os recebo na Bahia. Quero saudar muito especialmente os presidentes de Cuba, Guiana, México, Panamá e Suriname. Suas presenças numa reunião do nosso Mercosul simbolizam um compromisso em torno da união da América Latina e Caribe. Estaremos dando um passo sem precedentes nessa direção logo mais, quando reuniremos os líderes de toda nossa região.
Enfrentamos um cenário internacional marcado por novas ameaças. Conjunturas de crise como esta revelam as perversões do sistema econômico dominante. Mas elas são, também, oportunidades para grandes mudanças que requerem clareza de análise e redobrada vontade política.
A voz do Mercosul começa a ser ouvida nos foros internacionais. Temos de aprofundar nossas propostas para enfrentar a grave crise da economia global. Vejo, com satisfação, que nossos países têm dado, nacionalmente, respostas muito coincidentes.
A preocupação central de nossos governos está em proteger o emprego e a renda dos trabalhadores e em continuar impulsionando a inclusão social. Nossa resposta coletiva deve ser dobrar a aposta em nosso Bloco, numa integração voltada para o desenvolvimento e a superação de desigualdades regionais. Foi essa a agenda que promovemos durante a Presidência brasileira.
De janeiro a outubro de 2008, o fluxo de comércio entre o Brasil e seus sócios no Mercosul foi de US$ 32 bilhões, e importou cerca de quatro vezes o valor de 2002. Na Aladi, os números são impressionantes. Este ano, as trocas intra-regionais poderão chegar a US$ 140 bilhões, o triplo de cinco anos atrás. O comércio de bens e serviços, assim como o desenvolvimento de nossa infra-estrutura física, depende de sólido apoio financeiro.
Neste momento de forte restrição ao crédito, é preciso diversificar fontes de recursos e reduzir a dependência de divisas internacionais. É o que estamos fazendo ao lançar mecanismo de pagamento em moedas locais, começando com Argentina e Brasil. Ao eliminar a intermediação financeira, as empresas reduzem seus custos de transações. O Mercosul não realizará seu pleno potencial enquanto os produtos não puderem circular livremente. Continuaremos a trabalhar, sob a Presidência paraguaia, para a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum.
Para isso, é fundamental estabelecer um mecanismo justo, confiável e, tanto quanto possível, automático de redistribuição da renda aduaneira. A eliminação da dupla cobrança da TEC é essencial para integrarmos cadeias produtivas e aprofundarmos acordos de associação com outros países e blocos.
A atual crise financeira, com seus reflexos no comércio, sublinhou a importância de diversificarmos nossos mercados. Saudamos a ratificação do Acordo Mercosul-Índia e a assinatura do Acordo Mercosul-Sacu. O desenvolvimento do comércio Sul-Sul é fundamental para o nosso crescimento.
Em nossa região, a ampliação do acordo com o Chile, de modo a abarcar o setor de serviços, foi um importante passo para maior integração. Em breve, estaremos iniciando negociações semelhantes com a Colômbia.
O Estatuto do Fundo de Garantias para Micro, Pequenas e Médias Empresas do Mercosul vai ajudar a realizar o potencial do espaço econômico continental que estamos consolidando. Com acesso ao crédito, nossos empresários buscarão com mais confiança parcerias do outro lado da fronteira.
Ampliar o horizonte de atuação das empresas é essencial à integração produtiva.
Projetos para integrar os setores automotivo, de petróleo e gás, de madeira, de móveis e do turismo gerarão milhares de empregos. Para capacitar empreendedores, em particular no Paraguai e no Uruguai, a beneficiarem-se dessas oportunidades, vamos recorrer ao Focem e à solidariedade de nossas comunidades empresariais. Estamos, assim, ampliando o acesso a mercados. O Brasil tem consciência de suas responsabilidades perante os sócios menores, ainda mais em contexto de forte desaceleração econômica mundial.
Mas não podemos restringir o Mercosul à sua dimensão comercial. É preciso investir em projetos que reforcem as economias menores. Por isso, tomei a decisão de que, a partir de 2009, o Brasil dobrará sua contribuição ao Focem.
O Mercosul só estará completo quando nossos povos sentirem em seu cotidiano e em seu trabalho os frutos da integração. A perspectiva de eleições diretas em todos os nossos países para nosso Parlamento é passo decisivo nessa direção. Quero saudar, na figura de seu presidente – o companheiro deputado Doutor Rosinha – aqueles que se dedicam a essa tarefa.
Foi este também o sentido da criação do Conselho do Programa Brasileiro do Mercosul Social e Participativo. Estabeleceu um canal de diálogo entre o governo e a sociedade civil sobre os rumos da integração.
O Conselho do Mercado Comum fez ontem um debate extremamente importante sobre os efeitos da crise financeira, em particular para os setores mais vulneráveis de nossas sociedades.
Vamos impedir retrocessos na melhoria das condições de vida de nossas populações. Temos de manter, e mesmo ampliar, programas sociais que protegem os mais pobres, os trabalhadores de baixa renda e a agricultura familiar.
Precisamos continuar investindo na produtividade e competitividade de nossas economias. Mas nossa força para enfrentar a recessão global não está apenas no desempenho de nossas economias, está no vigor das nossas democracias. Uma crise como a atual exige transformações profundas na forma de decidir as grandes questões econômicas e políticas do mundo. É por isso que afirmei, reiteradamente, ter chegado a hora da política.
O Mercosul, juntamente com nossos amigos da América Latina e Caribe, não assistirá passivamente ao debate sobre a crise mundial. Teremos um papel importante a jogar na construção de uma nova arquitetura política e econômica internacional, multipolar e multilateral."
FONTE: Vermelho
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