Representantes de mais de 70 países - de todos os continentes - participaram no último fim-de-semana, em São Paulo, do Décimo Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários.
Escrevi sobre isso semana passada. E prometi que iria até lá conferir...
No sábado, fui ao ato público realizado na Quadra do Sindicato ds Bancários, no centro da capital paulista.
Havia muita gente, a quadra estava lotada de gringos e também de comunistas brasileiros. E o que me surpreendeu: havia muita gente jovem!
A imprensa tradicional tenta passar a imagem de que essa história de comunismo é papo de "dinossauros", de militantes velhos que têm saudade dos tempos da Guerra Fria.
Isso não é verdade. Pelo menos, levando-se em conta o que eu vi no encontro internacional de São Paulo.
Claro que também havia por lá muita gente de barba (afinal, os comunas mais antigos não abrem mão do velho estilo) e cabelos brancos. Mas, os jovens eram a maioria. E os mais empolgados quando, ao fim do ato público, todos se puseram de pé pra cantar a "Internacional": "de pé, ó vítimas da fome...".
Outro fato que me chamou atenção foi a temática, vinculada a temas bem contemporâneos.
Na mesa do encontro, por exemplo, havia um representante paraguaio, da frente de esquerda que levou Fernando Lugo ao poder. Havia também um senador do MAS boliviano. Os dois não falaram em materialismo dialético, nem em marxismo-leninismo. Mas, na importância dos movimentos indígenas na América Latina, e em como essas lutas indígenas se articulam com os partidos de esquerda.
Claro que não faltaram as homenagens aos ídolos tradicionais da esquerda, como Che Guevara, Ho Chi Min e o brasileiro João Amazonas...
O PCdoB fez o papel de anfitrião do encontro. Mas, também participaram - como convidados - outros partidos brasileiros como PDT, PSB e PT. Aliás, os dois representantes do Partido dos Trabalhadores (Arlindo Chinaglia e Walter Pomar) falaram sobre os "avanços" trazidos por Lula, mas curiosamente pareciam se desculpar diante da platéia ao falar do governo: "é um governo amplo, não é um governo de esquerda", disse Pomar; "apesar de muitos méritos, é um governo com insuficiências", lembrou Chinaglia.
"Insuficiências", parece-me, tem a defesa do Vasco da Gama. Ou o ataque da Portuguesa. O problema do governo Lula parece-me ser outro...
Durante o encontro, os estrangeiros foram mais benevolentes com Lula. Um deles chegou a colocar o brasileiro entre os que ajudam a América Latina a avançar rumo à superação do Capitalismo... Acho que o cara nunca ouviu falar em Henrique Meirelles, nem na fusão da OI com a Brasil Telecom...
A não ser que isso tudo seja uma tática camuflada para acirrar as "contradições internas" do capitalismo brasileiro. Mas, este já é outro assunto...
Aproveitei o encontro dos comunistas pra fazer algumas perguntas ao José Reinaldo Carvalho, Secretário de Relações Internacionais do PCdoB. Leia os principais trechos da entrevista logo abaixo.
Antes, um lembrete: José reinaldo será um dos convidados, nesta segunda, às 22horas, do programa de entrevistas que apresento na Record News: o "Entrevista Record - Mundo". Também estarão no estúdio representantes de partidos comunistas de outros países da América Latina.
O tema será justamente esse: como os comunistas se posicionam diante da crise mundial do Capitalismo?
O programa desta segunda debaterá, ainda, as eleições do último domingo na Venezuela - que podem ser decisivas para o futuro de Hugo Chavez e de sua Revolução Bolivariana.
Não perca!
(entrevista com José Reinaldo Carvalho - PCdoB)
1) Mais de 70 partidos participaram do encontro em São Paulo. No início do século XXI, o que une comunistas de países tão diferentes como Vietnã, Argélia, Suécia, India, França e Brasil?
Os partidos comunistas de todo o mundo não têm uma organização nem uma plataforma comuns. Mas, em geral, todos lutam pelo socialismo, tomando em consideração as peculiaridades nacionais. Unem-se na luta pela paz, contra as guerras de agressão e a militarização do planeta, na defesa dos direitos dos trabalhadores em luta contra as politicas socialmente regressivas características do capitalismo da época dos monopólios transnacionais e do capital financeiro.
2) É a primeira vez que um encontro desse tipo acontece no Brasil? Por que o país foi escolhido?
Vários fatores pesaram para a escolha do Brasil como país sede do 10º Encontro de Partidos Comunistas. O novo ambiente político na América Latina, onde estão em curso importantes mudanças políticas e sociais com a vigência de vários governos de esquerda e centro-esquerda foi sem dúvida um fator decisivo para a escolha. Pesou também o ambiente político do Brasil, onde há democracia, diálogo entre os comunistas e o governo e certa estabilidade política. Mas o fator decisivo foi a crescente influência política e ideológica do PCdoB, partido coerente em suas postulações estratégicas e capaz de atuar com suficiente habilidade tática a fim de abrir novos caminhos à luta por transformações políticas e sociais de fundo na sociedade brasileira. O PCdoB é também um partido com intensa atividade internacional, com muito prestígio entre as forças comunistas e antiimperialistas no mundo.
3) Em países como França, Portugal e Itália, os Partidos Comunistas parecem enfrentar uma crise grave – com redução do eleitorado, envelhecimento da militância, dificuldades em manter a imprensa partidária. Por que isso ocorre? Onde os Partidos Comunistas têm conseguido avançar?
De um modo geral, ainda vivemos um período de refluxo acarretado pelas derrotas sofridas a partir da liquidação do socialismo na antiga União Soviética e demais países do Leste europeu. A recuperação eleitoral dos comunistas é processo de médio e longo prazos. Não obstante, em Portugal e na Grécia os partidos comunistas têm alcançado vitórias eleitorais e mantido percentuais que oscilam em torno de 8%. Mas o crescimento da influência dos comunistas não se mede apenas pelo seu desempenho eleitoral. Há que observar também sua força nos movimentos sindical e social de um modo geral.
4) Na época de Marx, e na virada do século XIX para o XX, a Internacional Comunista tinha um papel importante, articulando os comunistas, unificando discursos e estratégias de ação. Depois da Revolução Russa, Moscou passou a centralizar as ações. Com a queda da União Soviética, os comunistas perderam força e as lutas pareciam se direcionar para outro tipo de organização , no estilo do que se passa no Fórum Social Mundial. O Encontro que ocorrerá em São Paulo é uma reedição da velha Internacional Comunista?
Não pretendemos recriar a Internacional Comunista. Esta foi uma organização atuante entre as décadas de 20 e 40 do século passado, na melhor tradição da Primeira Internacional fundada por Karl Marx e da Segunda. Infelizmente, esta última assumiu posições chauvinistas e reformistas durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918). A Internacional Comunista desempenhou importante papel, mas pecou pelo dogmatismo de algumas das suas posições e numa determinada altura era uma espécie de correia de transmissão das orientações da política externa soviética. Hoje os tempos são outros. É necessária a unidade de ação entre os comunistas, mas não convém a criação de uma organização internacional rígida, assim como a existência de um centro único dirigente do movimento. Cada partido deve atuar em seu país com absoluta independência. A elaboração e aplicação de uma linha política é atribuição exclusiva de cada partido em seu âmbito nacional.
5) Qual a diferença entre encontros como este dos Partidos Comunistas e as reuniões anuais do Fórum Social Mundial?
A diferença está em que este Encontro reúne os Partidos Comunistas e o Fórum reúne os movimentos sociais. Há áreas de atuação comum, inclusive nada deveria impedir que os Partidos Comunistas se apresentassem também no Fórum Social Mundial, sem tolher a autonomia dos movimentos sociais. Existem também outras articulações de partidos de esquerda no sentido mais amplo, como por exemplo o Fórum de São Paulo, que reúne forças de esquerda no âmbito latino-americano e caribenho, no qual os Partidos Comunistas participam ativamente.
6) Até os anos 80 do século XX, muitos comunistas ainda acreditavam no método leninista: uma vanguarda militante tomaria de assalto o poder central, e dali comandaria o processo de construção do Socialismo. Foi assim na Rússia e em Cuba, por exemplo. Os comunistas seguem acreditando em Lênin? Ou o Socialismo hoje passa por uma guerra de posições, pela famosa “disputa de hegemonia” de Gramsci (pensador e líder comunista italiano)?
Não creio que existam contradições entre o pensamento de Lênin e o de Gramsci. Rigorosamente, Gramsci foi um marxista-leninista, tendo feito um esforço para adaptar o pensamento de Marx e Lênin à realidade de seu país e de sua época. O mesmo se pode dizer de José Carlos Mariátegui, considerado um dos fundadores do pensamento marxista-leninista na América Latina. Lênin defendia a existência do partido de vanguarda, mas não tinha uma visão conspirativa da tomada do poder. Ele combateu o “esquerdismo infantil” e defendeu a necessidade de o Partido Comunista “fundir-se com as massas”.
7) Marx ajuda a entender o que se passa hoje no centro do Capitalismo?
O pensamento econômico de Marx é atual. Agora, quando eclodiu a crise financeira como expressão da crise sistêmica e estrutural do capitalismo, circulou a informação de que na Alemanha esgotaram-se as edições de O CAPITAL.
8) Com a crise mundial do Capitalismo, os comunistas voltam a ganhar força?
A crise mundial do capitalismo põe a nu as contradições insanáveis desse sistema e os seus limites históricos. É um momento propício para fazer a denúncia viva do capitalismo, chamar os trabalhadores e os povos à luta pela verdadeira alternativa, que é o socialismo. Nesse empenho os comunistas podem desenvolver-se se encontrarem a linguagem e os métodos corretos de se acercar dos trabalhadores e do povo em geral.
Fonte: www.rodrigovianna.com.br Leia Mais…